Silves é um daqueles sítios onde o ar transporta o aroma da flor de laranjeira e os ecos de um passado mouro. Aninhada no interior da movimentada costa algarvia, esta pequena cidade veste a sua história com orgulho. Outrora a movimentada capital mourisca do al-Gharb al-Andalus, é hoje um local de grande aconchego.
Uma cidade de pedra vermelha
Ao aproximar-se de Silves, a primeira coisa que se vê é Silves a erguer-se da paisagem como uma brasa a brilhar contra os verdes pomares de citrinos. A sua fortaleza domina a linha do horizonte como uma vasta cidadela vermelha construída com o arenito vermelho local, que a faz brilhar como fogo ao pôr do sol. O castelo de Silves é a fortificação mourisca mais bem preservada de Portugal. Ao percorrer as suas muralhas, a vista estende-se ao longo do vale do rio Arade, que oferece um panorama de laranjais, telhados e colinas distantes.
Os mouros chamavam à cidade Xelb. Durante o seu domínio, entre os séculos VIII e XII, foi um centro de ensino e de ciência. Comerciantes de todo o mundo islâmico e não só passavam pelo seu porto no rio Arade, trazendo seda, especiarias e novas ideias. Dizia-se que Silves rivalizava com Lisboa e Córdova pela sua sofisticação. Os poetas do al-Andalus escreveram sobre a sua beleza, falando de jardins perfumados com jasmim e palácios ornamentados com mármore refrescante. Naqueles tempos, o rio Arade era navegável e brilhava sob o glorioso sol algarvio.
Hoje, esse rio corre mais calmo e já não é navegável, mas o espírito de Silves ainda carrega uma certa grandeza. Percorrendo as suas ruas calcetadas, sente-se na envolvente um sussurro persistente de glórias passadas.
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Ruas cheias de histórias
Silves é uma cidade que se descobre melhor a pé. As ruelas estreitas sobem abruptamente em direção ao castelo, passando por casas caiadas de branco com guarnições ocres e portas pintadas em todos os tons do mar. As buganvílias cobrem preguiçosamente os muros e o tilintar dos copos numa esplanada de café mistura-se com a algazarra geral da vida quotidiana. Aqui não há pressa, não há impaciência.
A Catedral da Sé, construída no local de uma antiga mesquita, ergue-se em pedra solene ao lado da fortaleza. O seu interior frio é uma ode à austeridade gótica, mas lá fora, as crianças brincam na praça e um homem com um chapéu de palha vende laranjas frescas num carrinho de madeira. Estes momentos fugazes personificam os ritmos simples da vida quotidiana e contribuem para tornar Silves especial.
Mais abaixo, junto às antigas muralhas da cidade, encontra-se o Museu Municipal de Arqueologia, onde as camadas de história da cidade são reveladas através de artefactos desenterrados das suas ruas. Relíquias romanas, cerâmicas mouras e moedas medievais são peças de uma história que atravessa milénios.
O passado e o presente
Embora Silves ostente a sua história com orgulho, não é um museu. A cidade vive e respira. Os mercados de agricultores enchem a baixa da cidade de conversa e cor. Aos sábados, os habitantes locais chegam com cestos de figos, amêndoas e mel para vender. O cheiro do frango piri-piri assado sai das bancas à beira da estrada.
O ritmo de Silves é marcadamente português. É sem pressa, generoso e ligado à terra. A paisagem circundante é uma das mais férteis do Algarve, produzindo as laranjas que tornaram a região tão famosa. Na primavera, os pomares são um mar de flores e o ar fica carregado de perfume. No outono, começa a colheita e as encostas ecoam com as conversas e risos dos trabalhadores que recolhem os frutos à mão.
Para além dos pomares, as vinhas estendem-se pelo terreno ondulado, produzindo vinhos algarvios cada vez mais respeitados. A vizinha Quinta do Francês, por exemplo, oferece provas de tintos arrojados e rosés crocantes que captam a essência do terroir da região.
O castelo e o rio
No coração de Silves encontra-se a interação entre o castelo acima e o rio Arade abaixo. O rio Arade foi outrora navegável até ao Atlântico, constituindo uma artéria que ligava Silves ao mundo exterior. Nos tempos dos mouros, navios carregados de mercadorias de África e do Oriente atracavam aqui, transformando esta cidade do interior num porto cosmopolita. Hoje, pequenos barcos flutuam suavemente na sua superfície, com os seus reflexos a brilhar sob a velha ponte romana caiada de branco.

Sente-se na margem do rio com um copo de vinho local ao pôr do sol e verá o castelo corar à luz do dia. As paredes vermelhas parecem absorver o brilho, como se estivessem a recordar os fogos de batalhas e celebrações de há muito tempo. É uma das paisagens mais emocionantes do Algarve; uma harmonia de história, memória e renovação.
A festa dos Mouros e dos Cristãos
Todos os anos, em agosto, Silves regressa ao passado durante a Feira Medieval, uma celebração de uma semana que transforma a cidade num cenário de há mil anos. Cavaleiros a cavalo desfilam pelas ruas, falcoeiros exibem os seus pássaros e mercadores em trajes vendem especiarias, metais e tecidos. O ambiente enche-se de música e do cheiro a borrego assado, enquanto as lanternas tremeluzem contra as paredes de pedra. É ao mesmo tempo teatral e sincero, uma lembrança tangível de que Silves foi outrora o palco de impérios, uma encruzilhada de fés e culturas.
Para além das muralhas
A beleza de Silves não se limita às suas muralhas. Para além da cidade, existe uma paisagem que parece intocada pela pressa do turismo moderno. Conduza em direção a São Bartolomeu de Messines e em breve entrará num mundo de colinas ondulantes, florestas de sobreiros e aldeias tranquilas. Na primavera, a paisagem rural ganha cor com alfazema, papoilas e tomilho selvagem que cobrem os campos. Ciclistas e caminhantes seguem trilhos ao longo do rio ou até à Serra de Monchique, cujos picos se erguem ao longe.
As famosas praias do Algarve ficam apenas a meia hora de distância, mas Silves parece um mundo à parte. Aqui, troca-se o surf e a agitação por algo muito mais profundo. Uma ligação à alma da região, ao ritmo persistente da sua terra e das suas gentes.
Uma cidade de calor e luz
Ao cair da noite, Silves suaviza-se. As ruas tornam-se calmas à medida que o calor do dia se desvanece. Os habitantes locais reúnem-se em pequenas tabernas onde são servidos grelhados com pão rústico e vinho. O ar enche-se de conversas e, de vez em quando, ouve-se o som melancólico do fado.
A luz permanece durante muito tempo nas muralhas vermelhas do castelo e depois desliza suavemente, deixando a cidade envolta numa tonalidade violeta. É neste crepúsculo persistente que Silves revela o seu verdadeiro carácter. Não é antiga nem moderna, mas intemporal. Um lugar onde o peso da história é equilibrado pelo pulsar da vida quotidiana.
Silves não é o Algarve dos postais ou das estâncias balneares. É algo de muito mais raro. É um lugar de substância e quietude onde o passado não foi apagado mas absorvido. Percorrer as ruas de Silves é percorrer séculos. Demorar-se ali é começar a compreender algo essencial sobre o próprio Portugal.
E ao sair, olhando para o castelo vermelho que brilha suavemente contra o crepúsculo, pode sentir, como muitos já sentiram antes, que Silves é mais do que apenas uma cidade. É de facto o coração antigo do Algarve.





